O fato mais pitoresco no que concerne aos chamados "Cangaceiros" da década de 50 do Século passado no Município do Brejo da Madre de Deus, neste Estado de Pernambuco, é a história ou mesmo a estória vivida por uma pobre criatura, nascida pura como todas as crianças que nascem, e que na Pia Batismal da Matriz de São José do Brejo, tomou o nome de Severino, Severino Gregório da Silva, mas que todo o mundo no Brejo e região, chamava-o pela alcunha de "ARARA", apelido que ganhou pelo som de suas risadas, semelhante às araras quando gralhavam.
A falta de uma boa orientação moral e apoio da sociedade organizada, se encaminhou para a senda do vício que abate e fere a moral da pessoa humana, e o Arara não foi outra coisa, senão, mas uma vítima da sociedade. E se dizia: "Arara tem todas as faltas, até falta de ar." Era quase assim, mas ele tinha algumas coisas positivas. Fascinado quando jovem pelas atitudes divulgadas como heróicas, bravas, de cangaceiros como Antônio Silvino, Lampião, Corisco, Antâo Godê, Arara, pobre, sem nenhum dinheiro, sem apoio de ninguém, sem escola, passando fome até, passou a servir como instrumento de potentados e políticos do Brejo de então, que o colocaram indiretamente e as vezes até diretamente, na senda do crime, embora Arara fosse tímido, raquítico e despreparado culturamente.
Tudo começou quando políticos brejenses daquela época, deram a Arara uma condenável missão: roubar um cavalo que se encontrava apreendido no Depósito da Prefeitura, cujo proprietário era adversário do então Prefeito do Brejo da Madre de Deus que ordenara a apreensão do animal por se encontrar perambulando sempre pelas ruas da cidade.
Arara fazia assim, a sua primeira "prova de fogo" incentivado por pessoas maldosas que o utilizaram a troco de irrisória quantia, para o cometimento do seu primeiro crime.
No dia seguinte o "serviço" estava feito com perfeição, que mereceu dos políticos patrocinadores, muitos elogios à Arara o que lhe fez pensar que era importante, um herói, um elemento que seria capaz de executar outras tarefas mais sérias e mais perigosas. Arara enfim, concluiu que era útil. Foi aí a sua perdição. Envaidecido começou a participar de farras, entregando-se a vícios diversos, inclusive à pederastia passiva, mas Arara gostava de fazer favores pessoais, levar recados e não fazia mal a ninguém. Sempre soube ser grato a quem lhe beneficiava, era uma das suas qualidade positivas, pois as negativas lhes foram outorgadas por pessoas mesquinhas.
Estando no auge o cangaceiro José Arruda, inclusive com as três mortes por ele e seus comparsas realizadas no lugar "Bandeira" (Município do Brejo) quando o povo da região só falava com medo de José de Arruda, Arara resolveu tirar proveito dessa situação, onde o temor campeava no meio rural do Brejo. Iniciou a sinistra "empreitada" no crime, colocando uns "bilhetes" que ele mandava fazer, pondo uma bala de rifle calibre 44 junto, e botando por baixo das portas de casas de fazendeiros, pedindo dinheiro como se fosse de José Arruda. Dias depois, apresentava-se na casa onde havia colocado o "bilhete" ameaçador, dizendo-se portador de José Arruda, recebendo dinheiro, embora pouco, e recomendando a que não se queixasse a Polícia, pois podia ser pior. Arara com ese dinheiro, comprava roupas de vaqueiro, fazia farras e pagava bebidas alcoólicas pata todos que com ele estivessem naquele momento.
Pessoas ligadas ao cangaceiro José Arruda tomaram conhecimento desse procedimento por intermédio de fazendeiros que estavam estranhando um homem perigoso e temido como José Arruda, mandar buscar dinheiro por Arara, e ainda mais receber importâncias insignificantes, que os fazendeiros já enviavam esperando uma reclamação da parte de José Arruda, por desconfiar de Arara.
José Arruda cientificado das trapalhadas de Arara, ficou danado da vida, pois não admitia safadeza, mas não conseguiu pegar o impostor, tendo os prejudicados resolvido ir prestar queixa à Polícia contra Arara. Dias após a queixa, veio do Recife uma "Volante" da Polícia Militar com a finalidade de prender o "perigoso" Arara, que usava roupas típicas dos famosos cangaceiros de Lampião, e portava uma pistola "Comblaim", que havia roubado da oficina mecânica de Chico de Marçal (Marçal era um famoso ferreiro e muito querido e respeitado em Brejo), cuja pistola tinha o seu cano todo envergado, uma vez que a dita arma estava imprestável até para conserto, mas Arara a portava em uma bonita cartucheira cheia de balas de calibres diversos.
Tendo o Comandate da "Volante" policial sido informado de que Arara se encontrava perto do Povoado de Passagem do Tó, há época pertecente ao Brejo e hoje Distrito do Município de Jataúba, os soldados encarregados da captura dele, rumaram para lá, e como essas viagens de "Volantes" eram feitas à pé, o Comandante saiu perguntando as pessoas que encontrava, se haviam visto o "cangaceiro Arara", e em dado momento, por volta do meio-dia, o Sargento da "Volante" perguntou a um homem que se dirigia em sentido contrário, isto é, vinha de Passagem do Tó para a estrada que dava acesso ao Brejo e Jataúba, o seguinte:
"Cabra você viu o cangaceiro Arara por aí?"
O homem respondeu:
"Não senhor. Eu ouço falar dele, mas não conheço ele, não senhor, e nem sei onde ele está não senhor."
Nesse momento, um Cabo velho da Polícia acostumado a lidar com esse tipo de gente, partiu para cima do homem e pegando-o pela gola da camisa, disse-lhe:
"Cabra safado, Arara não é você mesmo?"
E o dito homem tremendo respondeu: "Por favor, pelo amor de Deus, não me mate não." Era de fato Arara querendo enganar a Polícia. E os soldados começaram todos a rir e exclamarem:
"Ôxe, e o cangaceiro que nós viemos prender é esse Cristo?!!!".
E concluiram dizendo com menoscabo:
"Isso aí não aguenta um murro."
Mesmo assim, Arara tentou fugir no caminho para a Cadeia do Brejo, tendo dado um empurrão no Sargento Comandante da "Volante" e recebido uma pancada com o "coice" do fuzil de um soldado, caindo por terra vomitando sangue. Posto na Cadeia Pública da cidade do Brejo, pessoas caridosas deram-lhe remédios, comidas e roupas. Poucas semanas depois ele foi posto em liberdade.
Restabelecido da surra e da pancada que sofrera, Arara arquitetou novo plano para ganhar dinheiro fácil, e mais uma vez influenciado, desta vez por curandeiros que "faziam a feira" no Brejo. Resolveu ser um deles. Arranjou uma pasta velha de couro, um chapéu também de couro, "quebrado" à testa, um alicate, comprou um bocado de pastilhas de hortelã da marca "Beija Flôr", e começou a "receitar" simples matutos nos sítios, ministrando-lhes os "milagrosos caxetes" que eram tomados sob sua recomendação, de quatro em quatro horas. O "negócio" estava indo bem até aí, e Arara além de dinheiro das consultas, ganhava presentes de galinhas, ovos, etc., pois os seus clientes, nenhum havia reclamado nada.
Arara inventa agora de ser Dentista e foi a sua segunda derrota. Começou a extrarir dentes com o alicate que possuia sem utilizar qualquer anestésico. Metia o alicate e mandava tomar os seus "caxetes", que não ofendendo, também não servim para nada, e começaram os problemas de hemorragias, inchações e infecções várias.
Procurando socorros médicos os prejudicados revelavam como havia acontecido aquilo. Lá vai novamente a Polícia a procura de Arara, não o encontrando, pois fugira para o Estado dsa Paraíba que então se limitava com o território do Brejo via Jataúba que àquela época era Vila pertecente ao Brejo.
Meses depois, numa bela noite de lua cheia, o Suplente de Delegado de Polícia em exercício no Brejo da Madre de Deus, Sr. Antônio Valentim e soldados do Destacamento local, cercaram a casa de Arara que ficava perto do Povoado de Cacimba de Pedro, adjacente à cidade do Brejo, e em voz alta falou o Delegado:
"Arara, você está preso. Não tente fugir que morre. Saia direitinho. Vista a roupa e saia com as mãos para cima. Vamos Arara!".
Aí Arara respondeu que ia sair e que não tentaria fugir como das outras vezes. Veloz, juntou umas roupas que havia ganho de Nelson Falcão (filho do ex-Prefeito Gustavo Falcão) amarrou um cinturaão ao meio, verificou que ali estavam três policiais na frente da casa e apenas um na porta da cozinha, que era o soldado Paulino Batista, seu conhecido e filho do Brejo. Abriu devagar a tramela da cozinha e pisando nas pontas dos dedos, disse que ia sair, e para surpresa de todos sacudiu o "bolo de roupas", que os policiais caíram em cima pensando que era Arara que abrindo a porta de trás, meteu a cabeça no soldado Paulino, pulou uma cerca de arame farpado e danou-se de mato adentro, indo parar no lugar "Tambor" onde ao amanhecer começou a sentir tonturas e um suor quente a correr-lhe sobre o rosto. Era que havia levado um corte de arame farpado ao pular a cerca na hora da fuga.
Daí por diante Arara passou muito tempo sem querer e sem poder aparecer no Brejo, porém, seis meses depois, inesperadamente, surge na feira do Brejo que se realiza aos sábados, tomando uma e outras, e de grogue em grigue, ficou valente e teve uma altercação com um seu conhecido, o comerciante chamado João Maduro. Arara fisicamente era uma miséria, enquanto João Maaduro era forte, mas Arara depois que estava "quente" substimava essa diferença, fosse com quem fosse, e provocando João Maduro, este o desafiou para que Arara lhe batesse no rosto, dizendo-lhe:
"Taí Arara a minha cara, bate nela pra tu ver o que te acontece!"
E Arara sem titubear apanhou um tijolo de uma pilha que estava enconstada, e meteu o tijolo no "pé do ouvido" de João Maduro, e saiu em desabalada carreira, não tendo sido preso porque fugira novamente, enquanto João Maduro fora medicado na Farmácia São José, do Sr. Amaury de Barros Correia, que ficava no centro da cidade, tendo a vítima prestado queixa à Polícia.
No sábado seguinte, Arara como se nada tivesse feito, voltava à feira do Brejo e aí foi preso, mas ao aproximar-se do prédio da Cadeia soltou o cinturão no qual era sustentado, fez finca-pé e correu, deixando o policial com o cinto na mão, sem que pudesseu fazer nenhuma ação, pois era dia feira e a Cadeia ficava defronte do então Mercado de Farinha e o não se podia atirar com receio de atingir quem nada tinha com o caso.
Arara tornava-se uma figura interessante pelas presepadas que fazia, e a juventude da época gostava disso e até insuflava Arara a fazer novas diatribes. Certo dia da semana Arara apareceu no "Campo de Futebol" que ficava onde hoje é a Prefeitura até o Posto de Saúde, e a turma moça resolveu botar Arara para jogar no treino, pois ele grande corredor, não havia no Brejo quem corresse igual a Arara. De fato ele corria muito, mas não sabia jogar futebol, e ele correndo atrás da bola, era a coisa mais engraçada da vida. Arara de calção comprido e frouxo, canelas finas, olhos grandes, muito magro e correndo a procura da pelota, sem saber a qual lado pertencia. Mas foi nesse treino, quando ninguém esperava que o Delegado de Polícia, Sargento Esperidião, à paisana, efetua a prisão de Arara, e como sempre, ele não reagiu, e com os olhos grandes num corpo magricela, quase chorando, falou para o Delegado:
"Sargento, pelo amor de Deus, deixe-me vestir a minha roupa aí em casa.", apontando para uma casinha que ficava à margem do Campo de Futebol onde ele estava jogando, e o Delegado compadecido disse: "Está bem, mas não tente fugir, pois desta vez você se arrependerá se fizer isso."
E Arara demonstrando pressa entrou na casinha que havia mostrado ao Delegado e dois ou três minutos depois, o dono da casa apareceu à porta virado no diabo, dizendo-se roubado e chamando Arara de cabra safado, ladrão e outros adjetivos. É que Arara entrara na casa que não ela a dele, e ainda havia levado a carne de charque que estava sendo assada sobre uma grelha no fogão pelo dono da casa.
O Sargento Esperidião perguntoi: "E Arara não mora aqui?" E o dono da casa respondeu: "Graças a Deus não senhor. Aquele bandido não tem morada não. Aquilo só se matando", disse o velho "Manoel Manteúdo."
E a turma de jovens que presenciava tudo, silenciosa para que o Delegado não virasse a encrença para cima deles, tinha o que comentar à noite nas praças, e logo a cidade tomava conhecimento de mais uma presepada de Arara.
Arara faleceu, e Deus certamente o perdoou. Foi um "cangaceiro" engraçado.
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