sexta-feira, 20 de julho de 2012

OS REPENTISTAS LOURIVAL BATISTA E SEVERINO PINTO


    "Dia, os cantadores Lourival Batista e Severino PINTO, dois bambas no ofício, mantinham pitoresco desafio ao som das violas, em Sumé, na Paraíba, quando, no calor da peleja, estando meio truviscado, PINTO concluía uma estância cantando: "Comí até me fartar/ Da "traíra" o mocotó."

    Ora, traíra era um peixe; e peixe não tem mocotó, pelo menos no Sertão paraibano.

     Aí o malho Lourival, percebendo a besteira do contendor em falar de mocotó de traíra(peixe d'água doce, popularísimo no Nordeste), contestava e fazendo ironia:

     "Houve muitos pescadores,
     Desde Adão até Jacó,
     De jacó até Moisés,
     Abrão e Faraó;
     Mas nunca houve quem visse
     Traíra com mocotó!"

    Apesar de meio alto na calibbrina, pois havia metido a cara com força no "aico", o fabuloso PINTO, quengo velho habilissimo em qualquer tipo de desafio cantado, dando pela coisa e procurando livrar-se do ridículo em que parecia atolado, desfazia o "equívoco", desdilhando sua pobre violinha e cantando sem sair do tom (o qual, segundo eles, era "ré médio"):

    "Era uma vaca cotó,
    Da Fazenda da Passira;
    Mataram e eu comí dela,
    A qual chamavam "Traíra";
    Agora você me diga
    Se é verdade ou mentira!"

     Esse desafio de Sumé deixaria nome na história, pelos repentes maravilhosos surgidos no fumaçar do tiro, pelas arapucas armadas, pelas notáveis saídas de ambos os disputantes, cada qual mais arreliado, mais inteligente, mais inspirado, mais danado na briga que o outro. Havia uma interessantíssima estância improvisada por Lourival Batista, na qual o cantador do Pajeú findava afimando: " Não há covarde que lute/Nem valente que não brigue."

     Escutando-lhe a afirmação formidável, logo em riba da bucha o velho PINTO emendava:

     "NÃO HÁ PAI QUE NÃO CASTIGUE,
     NÃO HÁ MÃE QUE NÃO ADULE,
     NEM ORADOR QUE NÃO FALE,
     DOUTOR QUE NÃO MANIPULE,
     MULHER QUE NÃO NEGUE IDADE
     E VELHO QUE NÃO PABULE!"

    De outra feita, cantando em torno do tema velhice, o grande Severino PINTO ponderava, ao som da violinha, com muita dose de razão:

    "Donde os moços estão
   Qualquer um velho se arreda;
   O moço é quem faz a farra,
   O velho é quem se embebeda;
   O moço é quem dá o tope,
   O velho é quem leva a queda!."

   (extraído de " As Nordestinidades- Nelson Barbalho- 1990)

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